O retrato económico e
social do Portugal de 2013 mostra de forma clara as consequências da política
de austeridade que tem vindo a ser seguida e a quem serve.
Fazendo recurso às
últimas previsões macroeconómicas da Comissão Europeia (Outono 2013, AMECO) e
às estimativas que apresentam para o ano de 2013, podemos perceber a forte degradação
da situação económica e social nacional. Se tivermos em conta a evolução das
últimas décadas dos principais indicadores económicos, podemos perceber como
esta se acentuou depois do estabelecimento do Euro e agora, com a aplicação do
programa de «ajustamento estrutural», o denominado PAEF.
Evolução dos
principais indicadores económicos
Em
2013, o produto encontrava-se ao nível do ano 2000, culminado uma recessão
continuada de 3 anos. Desde 2011, o produto teve uma contracção de 7,7 mil
milhões de euros, o que implicou uma redução anual de quase 564 euros no
produto por habitante. Em paridades de poder de compra, isto implicou um recuo
de 16 anos na nossa convergência real com a União Europeia.
As
taxas de crescimento do produto têm
vindo a desacelerar de década para década (Gráfico 1), acentuando-se no
pós-euro (2001-2010) em que estagnaram, não chegando, em termos médios anuais,
a 0,7%, para contraírem 1,4% após 2011, já incluindo aqui o cumprimento das
previsões incluídas no Orçamento de Estado para 2014.
Isto
significou, que o ritmo da convergência de Portugal com os países que compunham
a União Europeia a quando da nossa adesão, também tem vindo a desacelerar,
entrando-se num processo de divergência económica no pós-euro.
Por
outro lado, a evolução do Rendimento Nacional acompanhou as mesmas tendências
do produto, de forma ainda mais acentuada desde os anos 90 do século passado, ou
seja, no pós-Maastricht e com o processo de consolidação do mercado interno
europeu. Este facto é por si também demonstrativo do agravamento da nossa
dependência externa.
A
evolução do produto fica marcada com a forte contracção do investimento, cujos
valores em 2013 se encontravam ao nível de 1987, um recuo de 26 anos. Desde o
Euro, o investimento privado teve uma redução de 17,4 mil milhões de euros. Em
2013, o investimento representava em valores absolutos quase metade daquele que
se realizou em 2001.
Em
paralelo, o volume de emprego em 2013 também estava ao nível de 1987, num contexto
em que as taxas de crescimento do emprego, em termos médios anuais, na década
de 70 até à de 90 do século passado foram sempre inferiores a 1% e, desde o
Euro, se tem verificado uma destruição progressiva de postos de trabalho
(Gráfico 2).
Desde
o Euro, destruíram-se quase 680 mil postos de trabalho. Desde 2011, destruíram-se
quase 390 mil postos de trabalho.
Esta
evolução do emprego, traduziu-se num crescimento da taxa de desemprego, que
atingiu em 2013 o seu nível mais elevado de sempre (17,4%). O número de
desempregados quase quadruplicou desde o Euro.
Havendo
somente dados referentes a 2012, a produção industrial encontrava-se ao nível
de 1989, um recuo de 23 anos, com as taxas de crescimento, em termos médios
anuais, a desacelerarem desde a década de 70 do século passado, passando a um
decrescimento progressivo desde o Euro (Gráfico 3). Desde então a produção
industrial teve uma redução cumulativa de mais de 21%. Mais de 7% desde 2011.
Isto
quer dizer que o processo de desindustrialização do país tem vindo a
agravar-se, tornando evidentes as consequências do perfil de especialização do
nosso modelo produtivo, assente em sectores de baixo valor acrescentado e,
consequentemente, de baixos salários. Um modelo assente na reexportação,
inserido nas cadeias de subcontratação das grandes empresas multinacionais que
operam no mercado interno europeu.
Reflexo
da quebra de produção industrial, foi a evolução simétrica do crescimento do
défice da balança de bens, o que contribuiu de forma determinante para o agravamento
do défice da balança corrente e, subsequentemente, para o crescimento do nosso endividamento
externo e para a venda de activos nacionais, culminando com cada vez maiores transferências
de parcelas do nosso rendimento nacional para o estrangeiro.
Face
ao pico de 2008, o défice da balança de bens era 12 vezes superior ao existente
no momento da adesão e, em 2013, ainda era 2 vezes superior. A melhoria do
saldo da balança de bens e da balança corrente verificado sobretudo desde 2011,
não resulta de um aumento da produção nacional, nomeadamente da produção
industrial. Resulta, sim, de uma política de empobrecimento forçado da grande a
maioria dos portugueses.
Política
traduzida numa redução acentuada do
rendimento disponível, por via não só do aumento brutal da carga fiscal,
como por cortes directos nos salários, pensões, reformas e outras prestações
sociais.
A
título de exemplo, o volume da compensação salarial ao nível nacional, encontrava-se
em 2013 ao nível de 2005 e, no caso dos trabalhadores da função pública, ao
nível de 2000.
Este
empobrecimento é visível na contração do consumo privado, de 8 mil milhões face
a 2011. Em valores absolutos, o consumo privado em 2013 estava ao nível do ano
2000 e as taxas de crescimento também têm vindo a desacelerar de década para
década, com um forte abrandamento na era pós-Euro (Gráfico 4).
E
quanto aos tão proclamados objectivos de consolidação orçamental, de redução do
défice e da dívida pública? Em 2013, o valor absoluto e em % do PIB do défice
vai ser superior ao que existia em 2011, após 2 anos de austeridade. Isto mesmo
tendo em conta as medidas extraordinárias tomadas e irrepetíveis para tentar
reduzir o défice para outros patamares durante o ano de 2013, sem os quais
teríamos visto cumpridas as previsões iniciais da Comissão Europeia, de um
défice de 9,8 mil milhões de euros (5,9% do PIB).
Por
outro lado, o valor dos juros da dívida
pública está ao nível mais elevado de sempre em 2013 (7,2 mil milhões de euros)
e prevê-se que continue a aumentar nos próximos anos. Sem os juros da dívida,
teríamos um superavit orçamental em 2014, tendo em conta as previsões do
Orçamento de Estado (Gráfico 5).
A
dívida pública também está ao nível mais elevado de sempre e aumentou 14,1%
desde 2011, ou seja, mais 26,1 mil milhões de euros, atingido os 127,8% do PIB
em 2013, prevendo-se que continue a aumentar em valores absolutos.
Mas
a verdadeira questão é que desde 1997, o propósito da consolidação orçamental
tem sido o grande objectivo, tendo-se atingido valores próximos dos 3% do PIB
impostos pelo Pacto de Estabilidade em 1999, 2002 e 2007 e cada novo governo
acabou o seu mandato com mais défice e mais dívida que o anterior.
O
processo de consolidação orçamental não pode ser sustentável se não existir
criação da riqueza e sua justa repartição. A austeridade será sempre
acompanhada de estagnação e recessão económica, com consequências endémicas no
crescimento continuado do desemprego estrutural, alimentando os défices público
e externo.
O
que significa que sem alterar o perfil do modelo produtivo nacional, não se
poderá por termo ao ciclo vicioso de dependência em Portugal se encontra. Sendo
certo também, que sem recuperar elementos essenciais de soberania económica,
nomeadamente ao nível da moeda, este modelo continuará a ser imposto via
Bruxelas, ao serviço do grande capital multinacional que opera no mercado
interno europeu.
Pois
esta mesma «política de austeridade» faz parte da matriz dos Tratados da União
Europeia, do Euro e do Banco Central Europeu, da Estratégia de Lisboa/2020, do
Semestre Europeu, do «Pacto para o Euro mais» e do Tratado Orçamental e do
Pacto de Estabilidade. O que significa que com mais ou menos Troika, a
austeridade vai continuar.
A quem serve esta
política? O aumento da exploração do trabalho
Mas
face aos resultados é de perguntar se estamos perante um falhanço de políticas
e dos agentes que a executam? A resposta a esta pergunta implica perceber o
real objectivo das políticas que estão a ser executadas. Resposta que é
indissociável da crise estrutural em que o sistema capitalista mundial se
encontra, em particular na zona da integração capitalista europeia, onde
Portugal se encontra inserido. Da compreensão dos motivos da crise de
sobre-acumulação de capital sobre todas as formas que o sistema atravessa e a
necessidade que tem de restaurar as condições de rentabilidade do capital, as
taxas de lucro, que apesar de toda a destruição de capital que se tem
verificado, teimam a manter a sua tendência de declínio, com impactos no
processo de acumulação de capital.
O
capitalismo responde de todas formas. Destruído uma massa das forças
produtivas, para tentar restaurar as condições de rentabilidade do capital
remanescente, cujo resultado mais visível é o desemprego, o crescimento do
exército de reserva.
Expandindo
mercados, como foi o caso dos sucessivos alargamentos da União Europeia. Explorando
novos mercados, como é o caso dos mercados e serviços públicos, cujo processo
de privatização é uma forma dos integrar em lógicas de rentabilização privadas.
Baixando
as taxas de refinanciamento do capital, por via do abaixamento das taxas de
juros (grande objectivo da União Económica e Monetária) ou por via da
utilização de dinheiros públicos, como é exemplo, a inserção dos sistemas
nacionais de pensões no mercado de capitais ou a despesa fiscal existente ao
nível orçamental. Mas sobretudo, como não podia deixar de ser, pela
intensificação da exploração do trabalho.
O
objectivo confluente de todas estas políticas e instrumentos, emanadas das
instâncias internacionais e europeias, um aspecto essencial da concertação
capitalista, é a redução dos custos unitários do trabalho, ou seja, garantir a
transferência dos ganhos de produtividade do trabalho para o capital. E aqui as
políticas «não falharam», têm vindo a cumprir o seu objectivo estratégico.
A
outra variável que em 2013 estava ao nível mais elevado de sempre era os lucros
líquidos, que aumentaram 4 mil milhões de euros face a 2011. Prevê-se que
aumentem mais 3,4 mil milhões de euros
em 2014 e continuem a aumentar em 2015. Desde o Euro aumentaram 40%, em termos
cumulativos.
Na
outra «face da moeda», em 2013, o peso dos salários no produto estava ao nível
de 1990, tendo o seu peso tido uma redução de 2,5 p.p., indicativo de um dos
maiores aumentos da taxa de exploração desde o 25 de Abril. Em 2014, prevê-se
que o peso dos salários no produto seja de 53,6%, ou seja, um dos níveis mais
baixos de sempre. Prevê-se que salários reais sofram uma redução de 2,8% até
2015.
Em
paralelo, desde 2011 os custos unitários do trabalho reais tiveram uma redução
superior a 4 p.p. (índice 100). Em 2014, prevê-se que os custos unitários do
trabalho reais tenham uma nova redução de 3%, ou seja, continua a transferência
dos ganhos de produtividade do trabalho para o capital, que é o mesmo que dizer
que continua a acentuar-se o processo de
expropriação do trabalho. Em 2013, os custos unitários do trabalho reais
estavam ao nível de 1990.
Isto
num contexto, em que a produtividade do trabalho encontrava-se, em 2013, a um
dos níveis mais elevados de sempre (33.261 euros por pessoa empregada) e, face
à adesão de Portugal à então CEE, cada trabalhador produz quase mais 8 euros
por hora trabalhada.
Se
analisarmos estas mesmas variáveis no tempo, em termos médios anuais, verificamos
que na primeira década do Euro, os lucros líquidos cresceram a um ritmo 3,5
vezes superior ao dos salários reais. Desde 2011 e, se incorporarmos as
previsões do Orçamento de Estado para 2014, estes crescerão a um ritmo 8 vezes
superior ao dos salários, que terão uma redução (Gráfico 6).
Resultado?
Um aumento de 2 p.p. médio anual na transferência ganhos da produtividade.
Acentua-se a exploração do trabalho.
Vê-se assim quem
ganha e quem perde com esta política. Vê-se quem é servido e quem tem de fazer
sacrifícios. Vê-se que esta política tem um propósito de classe, do qual a
União Europeia é um instrumento fundamental. Um instrumento não reformável, criado
e desenvolvido pelo grande capital, que lança amarras que
condicionam o nosso desenvolvimento económico e social e o aproveitamento cabal
dos nossos recursos endógenos.
Por isso, não existem saídas no
actual quadro que não passem por uma ruptura com as políticas vigentes, o que
implica uma ruptura com o processo de integração capitalista europeia. Sem o retorno
dos instrumentos de política económica, monetária, orçamental e cambial e sem pôr
no domínio público os sectores estratégicos que permitam alavancarem o
desenvolvimento económico e social do
país, não teremos os instrumentos para fazer as escolhas necessárias para
construir o Portugal que queremos e precisamos, que Abril começou. Esta tem de
ser, por isso, uma prioridade da luta dos trabalhadores e do povo.