Chegou ao fim mais um dia 9 de Maio, desta vez de 2013. Mais um dia evocativo da Europa, do projecto europeu, da
Declaração de Schuman de 9 de Maio de 1950 onde se propunha a criação da
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) com vista a instituir
um mercado comum do carvão e do aço entre os países que a viriam a fundar. Iniciava-se, assim, o processo de integração capitalista europeia.
Perceber este processo, a sua génese e história, é
fundamental para perceber a actual crise que vivemos e da necessidade de
fazermos rupturas fundamentais, essenciais para o nosso
desenvolvimento económico e social endógeno, nas escolhas do nosso devir colectivo enquanto pátria soberana e enquanto povo, só possível se nos
libertámos das teias de interesses do grande capital multinacional que
opera no mercado interno europeu e das grandes potências capitalistas
que o suportam.
Temos que identificar que a União Europeia (UE) foi e é um
processo de classe, de resposta ao desenvolvimento do capitalismo e da
crise sistémica em que se encontra desde os anos 70 do século passado.
Perceber que desde a sua génese este foi um processo não democrático e «escrito» pelas confederações patronais europeias e mais tarde, em
1983, pela mesa redonda dos industriais. Perceber que isto só foi
possível com o compromisso histórico entre conservadores, liberais e
socialistas, com a social-democracia a substituir o seu projecto
político pelo um mítico europeísmo, integrando nele, como nos Tratados
Europeus, o consenso de Washington. Perceber que esta integração se
reforça em torno de 3 eixos interdependentes - o federalismo, o
militarismo e o neoliberalismo, alternados com processos de alargamento e de expansão do mercado, em momentos de crise do processo de aprofundamento. Perceber que este também é um projecto que visa
reabilitar a Alemanha, derrotada na segunda guerra mundial, base para o
ressurgimento do imperialismo alemão e afirmação da sua hegemonia continental, como pólo europeu da tríade. Perceber que desde o início conta
com a «mão» do «amigo» norte-americano. Perceber que é cada vez mais necessário derrotar a UE para
construir o futuro, de Portugal e dos restantes povos da Europa.
Numa altura em que ofensiva do capital se
intensifica contra o trabalho, importa passar em revista a historia desta integração
capitalista europeia, sua natureza, seus objectivos, as
datas e os acontecimentos que marcaram a sua génese, nesta «construção» de «pequenos» grandes passos.
As declarações da integração capitalista europeia
Foi durante a presidência alemã da União Europeia (UE), no
primeiro semestre de 2007, que decorreram as comemorações oficiais do
50º aniversário do Tratado de Roma, assinado no dia 25 de Março de
1957, que instituiu a Comunidade Económica Europeia (CEE). A 25 de Março
de 2007, sobre a égide de um governo de bloco central alemão CDU/SPD,
que se preparou a dita declaração de Berlim, com intuito de
relançar o processo de uma “Constituição para a Europa”, após o impasse
gerado pela sua não ratificação por parte do povo francês e holandês.
Impasse que as elites europeias acabariam por solucionar com presidência
francesa, no segundo semestre de 2008, sempre na ânsia de concretizarem um velho
sonho: uma federação europeia, ou melhor, um estado federal europeu. O
divórcio cada vez mais claro entre as elites políticas e os povos,
amplifica então, como hoje, a crise que se vive no processo de integração capitalista europeia. A declaração de Berlim lançou as bases que viriam a concretizar o Tratado de Lisboa («Porreiro Pá!», o abraço de Barroso e Sócrates).
A 19 de Junho de 1983, também durante uma presidência alemã, ocorreu
a Declaração Solene de Estugarda, tendo em vista relançar o processo de
integração capitalista europeia através da instituição de uma UE,
preparando assim o caminho para a primeira revisão substancial dos
Tratados – o Acto Único Europeu –, que veio a ser completada e
aprofundada pelo Tratado da UE (o Tratado de Maastricht, assinado a 7 de
Fevereiro de 1992, no mesmo “dia” em que se desmantelava a União
Soviética). Pouco antes do Conselho Europeu de Estugarda, de 17 a 19
de Junho de 1983, a mesa redonda dos industriais europeus (ERT),
recém-criada em Abril de 1983, agrupando então 17 das maiores empresas
multinacionais europeias, respondia ao repto do Comissário Étienne
Davignon através de um memorando onde se apontava a necessidade da
criação de um mercado interno europeu, com vista a maximizar lucros, a
promover a concentração e centralização do capital à escala europeia e
a potenciar a internacionalização e internalização do capital europeu
à escala mundial. Este viria a ser o principal objectivo da Comissão
Europeia, presidida por Jacques Delors, e do Acto Único.
A «declaração» saída da Conferência de Messina, de 1 a 3 de Junho de
1955, visou também relançar o processo de integração capitalista europeia
com dois objectivos concretos: a produção de energia nuclear para «fins
pacíficos» e a realização de um mercado comum generalizado a todos os
bens e serviços, que vieram a ser concretizados a 25 de Março de 1957
com os Tratados da Comunidade Europeia de Energia Atómica (CEEA, mais
conhecida por Euratom) e da CEE. A Conferência de Messina tornou-se
possível devido ao voto favorável dos sociais-democratas alemães na
Assembleia da CECA ainda em
1955, seguindo os seus «colegas» cristão-democratas. Como afirmou André
Philip, «a Europa tem agora duas pernas: uma liberal, outra socialista». Ficava assim marcado no código genético da «construção europeia» o
compromisso entre a social-democracia e conservadores. O Tratado da CEE
entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1958, com a intenção de estabelecer
uma União Aduaneira/um mercado comum e desenvolver políticas comuns. Em
Março desse ano é criada a União das Indústrias da Comunidade Europeia
(UNICE, hoje Business Europe), a voz do patronato europeu, que acompanha desde então o
processo de integração capitalista europeia.
A «declaração» saída da Conferência de Paris sobre o Exército
Europeu de 15 de Fevereiro de 1951 levou à assinatura do Tratado da
Comunidade Europeia de Defesa (CED) a 27 de Maio de 1952. O capital europeu queria criar o seu braço armado, enquadrando o necessário
rearmamento do imperialismo alemão. Uma primeira tentativa de
acrescentar a cooperação política e militar ao pilar da integração
económica, frustrada pela não ratificação da Assembleia Nacional
Francesa a 29 de Agosto de 1954. Em Setembro de 1954, na Conferência de
Londres, a República Federal Alemã (RFA) passa a ser membro da NATO.
Fica assim marcado o alinhamento futuro da UE à NATO (e ao imperialismo
dos Estados Unidos) e sua militarização progressiva, nomeadamente após as portas
abertas deixadas pelo Tratado de Maastricht. Adenauer justificou a adesão da
RFA à CED por ser «o melhor meio, senão o único, para recuperar as
províncias perdidas a leste», que melhor frase para ilustrar o carácter
ofensivo da integração capitalista europeia.
A 9 de Maio de 1950 é proferida a declaração de Robert Schuman,
Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, com base no projecto de
Jean Monnet, que propõe a criação da CECA, com o objectivo de colocar a
produção franco-alemã de carvão e de aço sob a alçada de uma Alta
Autoridade supranacional. A 18 de Abril de 1951 é assinado o Tratado de
Paris que institui a CECA, entrando em vigor a 24 de Julho de 1952. Este
é o primeiro passo na integração económica capitalista europeia, tendo
por base o compromisso franco-alemão, ou seja, a concertação entre as
duas principais potências imperialistas continentais, que se tinham lutado pela hegemonia europeia, nomeadamente com três confrontações:
em 1870, com a derrota francesa em Sedan; em 1914-1918 com a derrota
alemã na primeira guerra mundial, após o apogeu da reunificação
prosseguida por Bismarck e a veia imperial de Guilherme I e II; e, em
1939-1945, com a derrota da Alemanha Nazi na segunda guerra mundial.
A 5 de Junho de 1947, na Universidade de Harvard, o Secretário de Estado
norte-americano, George Marshall, profere uma declaração, onde desafia
os países europeus a criarem o seu próprio plano de reconstrução da
Europa, saída dos escombros da segunda guerra mundial, com a garantia
que os Estados Unidos financiariam esse plano. Esta declaração dá origem ao
conhecido Plano Marshall, onde a administração dos Estados Unidos se propunha
conceder um «auxílio» de 12 mil milhões de dólares a preços de então
entre 1948 e 1952. Este «auxílio» interesseiro (a lembrar, hoje, memorandos de entendimento da Troika, onde se emprestam dinheiro para se pagarem com juros) visava, por um lado,
criar um mercado para os produtos dos Estados Unidos e potenciar a saída da crise
económica em que este se encontrava no pós-guerra. Por outro lado,
respondia à necessidade dos Estados Unidos criarem um «tampão» à União Soviética e
de estabelecer a sua área de influência política e militar na Europa.
Mais de 90% do auxílio era na forma de «vale» de compras para produtos
dos Estados Unidos ou de quem estes autorizassem, o restante era empréstimos a
taxas bonificadas. Cerca de 56% das ajudas concentraram-se nos seis
países fundadores da CECA. Ficava assim marcada a impressão
digital dos norte-americana no processo de integração capitalista europeia.
Da União Aduaneira à União Politica
Estas declarações e suas consequências, apresentadas em ordem
decrescente, mostram a génese da integração europeia. Como afirmava Jean
Monnet, a Europa «não se fará de repente, mas por realizações
concretas, criando primeiro uma solidariedade de facto». A
integração económica, uma necessidade objectiva do capital decorrente do
grau de desenvolvimento das forças produtivas e sua crescente
internacionalização, também ela realizada por via da integração dos
espaços nacionais, ganha assim um
cariz funcional na «construção europeia«.
O primeiro objectivo
era a criação de uma União Aduaneira – estimular o capital monopolista,
liberalizar as trocas comerciais internas e garantir a protecção do
exterior via uma Pauta Aduaneira Comum –, o que foi concretizado em
1968, um ano e meio antes do previsto. O segundo objectivo era a criação
de um mercado interno, com total liberalização dos mercados de bens,
serviços, capitais e trabalho, o que veio a realizar-se em 1993 (com
algumas excepções), 25 anos após a concretização da União Aduaneira e 35
anos após esse objectivo ter sido referenciado no Tratado de Roma. O
terceiro objectivo era a criação de uma União Económica e Monetária
(UEM), com orientações de política económica e emprego comuns,
conjugadas com uma política monetária e uma moeda única, acentuando a
necessidade de uma maior cooperação política, o que foi concretizado 9
anos após a criação do mercado interno. O quarto objectivo, a União
Política, seria o passo seguinte decorrente de se ter «completado» a
integração económica, este é o passo que se inscreve no projecto de uma «Constituição para a Europa», que viria em desembocar no Tratado de Lisboa, o consenso resultante das contradições interimperialistas.
Como se depreende, nos últimos 20 anos, a UE aprofundou os seus três
eixos fundamentais e interdependentes, que se reforçam mutuamente desde a
sua génese, – o federalismo, o neoliberalismo e o militarismo. Se o
neoliberalismo e o militarismo são
traços claros do imperialismo, onde os interesses da expansão do
capital vão em paralelo com sua imposição pela força, o federalismo tem
uma génese mais recente, consequência do estado de evolução do processo
de acumulação capitalista e do desenvolvimento das forças produtivas,
onde o território do Estado-nação, que centralizou os meios de violência
e promoveu o capital monopolista, torna-se um limite à vocação
planetária do capital, na ânsia da obtenção do máximo lucro.
O processo
de integração capitalista europeia visa a criação de um bloco político-económico-militar, que crie as condições óptimas
para a maximização dos lucros das grandes empresas multinacionais
europeias e defenda a sua internacionalização/internalização à escala
mundial – um bloco imperialista centrado na UE ou num qualquer seu
núcleo duro, que estenda sua influência numa ampla zona de comércio
livre pan-europeia-mediterrânica, que fique às portas da Rússia, do
Médio Oriente e da África Setentrional.
Para este projecto mais largo
ser concretizado, a dita «constituição europeia» é um passo essencial.
Podemos assim imaginar uma Europa de círculos concêntricos, com uma
ampla zona de comércio livre regida pelo Tratado do Espaço Económico
Europeu e os acordos Euro-mediterrânicos, com uma UEM no seu centro
regida pelo Tratado de Lisboa e um pólo mais integrado – um núcleo duro –
baseado numa Federação Europeia e numa Constituição. Projecto com
algumas semelhanças ao dos Estados Undios no continente americano assente no
comércio livre, com dois círculos concêntricos – o Tratado
Norte-Americano de Livre Comércio (conhecido pela sigla inglesa NAFTA e a ambição de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. A integração económica aparece assim como forma de alargar
mercados e reforçar as pretensões hegemónicas das potências regionais da
Tríade – Estados Unidos, Alemanha e Japão, num mundo tripolar onde começam a
aparecer outros actores, os BRICS, onde se destaca o papel da China.
Natureza, compromissos e alargamentos
A integração capitalista europeia não é um processo neutro, tem uma
natureza classe. UE é um instrumento ao serviço das grandes potências e
do grande capital europeu, tendo como principais construtores a UNICE e a
ERT. Cada passo de aprofundamento do federalismo, tem contribuído para o
aprofundamento do neoliberalismo e do militarismo. A UE é uma «construção» do eixo franco-alemão, assente na aliança estratégica entre
conservadores e a social-democracia que garante a unidade política
necessária ao processo, entre as devidas alternâncias e as alianças de facto. Este eixo e esta aliança
são interdependentes, dando contributos visíveis para superar as crises
no processo de integração e promover objectivos mais ambiciosos, como se
pode ver: em 1969, com Pompidou/Brandt que propunham a criação de uma
União Económica e Monetária Europeia; entre 1974 a 1981, gerindo as
crises decorrentes dos chamados choques petrolíferos, com
d´Estaing/Schimdt instituindo o Conselho Europeu e criando o Sistema
Monetário Europeu (SME); de 1981 a 1995, gerindo a ofensiva do capital e
preparando o alargamento aos países do leste Europeu (incluindo a
“anexação” da República Democrática da Alemanha - RDA), com
Mitterrand/Kohl que garantiram os saltos qualitativos do Acto Único
Europeu e do Tratado de Maastricht, assim como a preparação da UEM; e, desde 1998, com Chirac/Schröder/Merkel, completando a UEM e o
alargamento da UE e aprovando a dita constituição europeia e, mais tarde, com Sarkozy/Hollande/Merkel, aprovando novos alargamento, o Tratado de Lisboa, o Tratado Orçamental e o Semestre Europeu.
Hoje, o eixo (ou melhor, a concertação capitalista) franco-alemão está
enfraquecido, pela
ascensão do imperialismo alemão, assente no seu peso económico e no seu
progressivo rearmamento. O argumento de um eixo que complementava uma
França potência militar e nuclear, membro do Conselho de Segurança da
ONU, com uma Alemanha potência económica, começa a desvanecer. Esta
última quer subir de estatuto e a UE é o instrumento de suporte dos
objectivos hegemónicos continentais do imperialismo alemão. Assim já se
passa a nível económico e monetário, pois não é uma coincidência o facto
do Banco Central Europeu (BCE) estar sedeado em Frankfurt. Contudo, o
eixo franco-alemão continua a ser motor da integração, sendo as cimeiras
franco-alemãs o instrumento de concertação para “limar as arestas”.
Sendo certo que os três eixos desta integração têm vindo a
reforçar-se, isto não implica que o processo não tenha tido crises. O «não» francês e o «não» holandês à dita «constituição europeia», ou o «não» dinamarquês e o «não» sueco ao Euro e os vários «não» da Irlanda
ao Tratado de Nice e ao Tratado de Lisboa, a crise da zona Euro e suas consequências, mostram as dificuldades das elites imporem esta
integração face à luta dos trabalhadores e dos povos.
Para além da
presente crise e a decorrente do fracasso da CED, já referenciadas, o
processo teve ainda quatro crises de envergadura desde 1951: a rejeição
do Plano Fouchet em 1962, com a proposta de de Gaulle de se caminhar
para uma confederação europeia; a crise da «cadeira vazia» em 1965
ligada a Política Agrícola Comum; a crise orçamental dos anos 80
ligada ao denominado «cheque» britânico e a crise do Tratado de
Maastricht, ligada a crise do SME e à não ratificação do Tratado pela
Dinamarca (conjugada com o sim tangencial no referendo em França).
Pode-se referenciar também o fracasso dos Planos Barre/Werner para a
criação de uma UEM (1969/1970), em conexão com o colapso do sistema
monetário internacional do pós-guerra, após a declaração sobre a não
convertibilidade do dólar efectuada pelo presidente dos Estados Unidos, Richard
Nixon, a 15 de Agosto de 1971. O processo tem tido e continua a ter
contradições, como evidenciam as rivalidades internas
interimperialistas entre as grandes potências europeias (por exemplo,
no controle do poder de decisão nas instituições comunitárias) e as
rivalidades externas decorrentes da concertação/rivalidade capitalista a
nível mundial, expressas por exemplo, no grau de alinhamento com a
NATO, nas “parcerias” transatlânticas, na extensão da área de influência
à América Latina ou nas lutas comerciais por maiores quotas de mercado
e controlo de recursos naturais e matérias-primas ao nível mundial.
A dialéctica entre alargamento/aprofundamento tem sido essencial na
evolução da UE. Os alargamentos sucessivos da UE não têm apenas um
objectivo territorial e de conquista de novos mercados –
novos espaços nacionais, mas ajudam a superar as crises de aprofundamento.
Como afirma Sérgio Ribeiro, «aprofundamento ou alargamento, ou que doses
de cada uma das alternativas para que se concretiza, para que seja
viável ou consistente, a passagem ao estádio seguinte do processo».
O primeiro grande alargamento, começa por fases em 1973, visando a
integração da Inglaterra e os restantes países membros da Associação
Europeia de Comércio Livre (conhecida pela sigla inglesa EFTA), que
constituíam uma alternativa não federal à CEE, estendendo, por esta
via, o território da CEE para norte (mar do norte) e para o sul
(mediterrâneo). O segundo grande alargamento, acontece a 1 de Maio de
2004, com a inclusão dos países do leste europeu (completado com a
adesão da Roménia e a Bulgária a 1 de Janeiro de 2007). Este
alargamento, mais do que garantir o aproveitamento de um mercado de 100
milhões de consumidores (e as possibilidades decorrentes da divisão da
cadeia de valor, tendo em conta a proximidade geográfica do centro da
Europa e a existência de uma mão-de-obra barata e qualificada), foi um
“ajuste” de contas com o socialismo, destruindo a superstrutura
existente nesses países, tendo em paralelo reforçado o peso da NATO no
interior da UE [e levando a “fronteira” da NATO às “portas” da Rússia]. Hoje, temos uma União Europeia compostas por 27 países.
Acto Único Europeu,
o prólogo da União Europeia que temos
O clima político e económico do final dos anos oitenta e as derrotas
do socialismo a leste, abriram as portas para uma forte ofensiva do
capital. O pensamento económico neoclássico, o neoliberalismo, triunfava
como ideologia dominante do capitalismo. Este pensamento económico
dominante viria ser sintetizado, mais tarde, em 1990, no denominado
Consenso de Washington. Este pensamento seria difundido e aplicado
nos Estados Unidos e na Inglaterra, respectivamente durante a governação de Ronald
Reagan (Janeiro de 1981 a Janeiro de 1989) e Margaret Thatcher (Maio de
1979 a Novembro de 1990), ficando marcando pela grande ofensiva contra o
trabalho (e os sindicatos), que resultou em grandes derrotas dos
trabalhadores, como a dos controladores aéreos nos Estados Unidos (1981) e a dos
mineiros em Inglaterra (1984-1985). Contudo, já em 1979, no final da
administração Carter nos Estados Unidos e com a entrada de Paul Volcker para
presidente da Reserva Federal, notava-se a mudança de correlação de
forças, quando o governo interveio para obrigar os trabalhadores da
Chrysler a aceitarem piores salários e condições de trabalho em nome da
competitividade internacional e da não deslocalização da produção. A ofensiva
acelerava a financeirização da economia e restabelecia as condições de
valorização do capital. Esta “terapia de choque” tinha também outros
objectivos geopolíticos, a opção estratégica de derrotar a União
Soviética. O principal sinal foi o envolvimento dos Estados Unidos no Afeganistão. O sistema capitalista respondia a crise de rentabilidade, intensificado a exploração do trabalho e reduzindo os custos de refinanciamento do capital.
É neste contexto internacional que temos de contextualizar o Acto Único,
em conjugação com a estagnação do processo de integração europeia, que
apesar do estímulo do Conselho Europeu de Estugarda, só em 1984
conseguiu superar as disputas internas, nomeadamente em torno do
orçamento comunitário. Mas o verdadeiro impulso federalista viria a
ser dado pela ERT, primeiro pelo seu Memorando fundador enviado ao
Comissário Étienne Davignon, depois pela sua comunicação lançada em
Janeiro de 1985, «Europa 1990: uma Agenda para a Acção», elaborada por
Wisse Dekker, presidente então da Philips. Também em Janeiro de 1985,
entra em funções a nova Comissão Europeia, tendo como presidente o
social-democrata, Jacques Delors, que assume o projecto da ERT como seu e
apresenta o denominado «Programa 1992», que pretendia completar o
mercado interno até 31 de Dezembro de 1992, pavimentando o caminho para a
primeira alteração substancial dos Tratados comunitários, o Acto Único
Europeu. O Livro Branco da Comissão Europeia «Completar o Mercado
Interno» é apresentado nos Conselhos Europeus de Bruxelas (Março de
1985) e de Milão (Junho de 1985), baseado nas propostas da ERT, onde se
apresentavam 279 medidas necessárias para realizar o mercado interno,
propondo que 2/3 dessas medidas fossem aprovadas por maioria qualificada (ou seja, deixando cair as decisões por unanimidade num conjunto de
domínios).
A ERT tinha assim o quadro que precisava para dar um novo
ímpeto à concretização do mercado interno num curto espaço de tempo,
eliminando as barreiras aduaneiras ainda existentes, promovendo a
abertura dos mercados públicos, incentivado a harmonização fiscal, mas
também potenciando o investimento numa rede de infra-estruturas
transeuropeias ao nível dos transportes, comunicações e energia que
permitisse uma maior unificação dos mercados, uma melhor distribuição
da cadeia de valor a nível comunitário e a promoção das trocas
intracomunitárias. Pretendia, também, dar dimensão aos grandes grupos
económicos e financeiros europeus, elevando o capitalismo monopolista de
Estado a um patamar europeu, que permitisse a prazo a consolidação de
um capital «de bandeira europeia». Para a ERT era indispensável, assim, o
aprofundamento do federalismo, não só para criar um clima político
favorável, como para permitir um processo de decisão europeu rápido e
efectivo (com a extensão das decisões por maioria qualificada).
Uma Conferência Intergovernamental é encetada sob a presidência
luxemburguesa para rever o Tratado de Roma, a 9 de Setembro de 1985
e encerrada, com a aprovação do Acto Único, em Dezembro desse ano. O
Acto Único é assinado em Haia a 28 de Fevereiro de 1986, entrando em
vigor em 1 de Julho de 1987. O Acto Único altera as regras de
funcionamento das instituições europeias (alargando o número de matérias
cuja decisão passa a ser por maioria qualificada e institucionalizando o
Conselho Europeu), reforça os poderes da Comissão Europeia (dando à
Comissão a competência da execução dos actos), reforça os poderes do
Parlamento Europeu (com a exigência de parecer favorável em algumas
matérias e o procedimento de cooperação, que seria um primeiro passo
para a co-decisão) e alarga as competências comunitárias, nomeadamente
no âmbito da política externa comum (base embrionária da PESC, o segundo
pilar do Tratado de Maastricht). Neste domínio, o artigo 30º prevê que
os Estados-Membros se esforcem por formular e aplicar em comum uma
política externa de interesse geral, institucionalizando a cooperação
europeia em matéria de política externa. No artigo 8º-A é expresso o
objecto de completar o mercado interno até 31 de Dezembro de 1992.
Como afirma, Sérgio Ribeiro, o Acto Único Europeu foi o primeiro passo
de um triplo-salto, que seria consolidado no Tratado de Maastricht,
após de concretizado o objectivo do mercado interno, para depois
concluir o passo de uma UEM, para finalmente preparar o terreno para a
integração política.
Epílogo?
A integração capitalista europeia, expressa na presente UE, nunca
escondeu a sua natureza de classe. Esta, hoje, é cada vez mais
evidente. Sendo um processo histórico de resposta do capitalismo europeu
às crises cíclicas que atravessa e um elemento da
concertação/rivalidade do capital ao nível europeu, estamos perante um
instrumento de classe efectivo na ofensiva contra o trabalho, que cria
constrangimentos a luta dos trabalhadores e dos povos.
Esta integração é moldada pelos interesses do grande
capital que opera no espaço europeu e das grandes potências imperialistas. Um
instrumento criado e desenvolvido pelo grande capital, seja pelas
confederações patronais desde a sua génese, seja
pela mesa redonda dos industriais. Um instrumento, por isso, não
reformável.
Esta integração também não é um processo irreversível,
mesmo que consideremos a integração económica como um processo económico
objectivo inevitável. Por isso evidenciar a ligação estreita entre
federalismo, liberalismo e militarismo no processo de integração
europeia é fundamental para não se cair em ilusões utópicas de
federalismos igualitários e termos ciente que os passos federais desta «construção» aprofundaram o liberalismo económico e o conservadorismo
político, para além do cariz agressivo do bloco imperialista UE.
À medida que a crise se acentua, o
instrumento tenta aprofundar-se, com as contradições inerentes ao
próprio capital, elevando o patamar da ofensiva de classe em curso, com
vista a garantir as condições de intensificação de exploração do
trabalho e de rentabilidade perdidas, sempre ao serviço dos interesses
do grande capital das potências imperialistas centrais, como a
Alemanha.
A emancipação dos trabalhadores portugueses e
dos outros trabalhadores dos países que constituem a UE
passa pela tomada de consciência que não existem saídas no actual quadro
que não passem por uma ruptura com as políticas vigentes, pela
necessidade de derrotar o instrumento de classe que é a UE,
de fazer retornar aos Estados os instrumentos de política económica,
monetária, orçamental e cambial e pôr no domínio público os sectores
estratégicos que permitam alavancarem o desenvolvimento económico dos
países, ao serviço dos trabalhadores e dos povos.
A
ruptura com o processo de integração capitalista europeia tem que estar
nas prioridades da luta dos trabalhadores e dos povos, por uma Europa de
paz, progresso e cooperação. Temos que derrotar instrumento de classe UE para
construir o futuro. O Acto
Único Europeu foi, assim, o prólogo da UE que hoje temos, depende da
nossa luta que a UE que hoje se anuncia não venha a ser o epílogo.